Sabe quando você não está satisfeito em viajar para um lugar exótico e quer ainda visitar a região mais desconhecida desse país longínquo? Então. Foi um pouco disso que fizemos quando resolvemos conhecer Maramures, a Romênia mais “selvagem” possível.
Claro que o foco da nossa viagem era a Transilvânia, mas topamos o desafio de desbravar uma região cuja cultura permaneceu autenticamente preservada ao longo dos últimos cem anos. Sim! Maramures é um dos poucos lugares do mundo que ainda parecem viver no século XIX.
Segundo os guias, eles vivem como se estivessem ainda na Idade Média, mas daí também já achei exagero.
Maramures é longe pra caramba!
Maramures é uma província no extremo norte da Romênia, na fronteira com a Ucrânia. Pelo que entendi, geograficamente, a região não faz mais parte da Transilvânia porque fica do lado de lá da vertente norte dos Montes Cárpatos.
Isso significa que, além de ser longe para burro, você obrigatoriamente terá que atravessar estradas de montanha: estreitas, sinuosas, com velocidade máxima em torno dos 40km/h.
Para não me chamarem de preconceituoso, imaginem vocês pegarem uma estrada que vai para uma região distante, isolada, perdida do nosso país. Pode ser o sertão do nordeste, estradinhas que entram Pantanal adentro, lugares incomunicáveis na Amazônia ou até mesmo, sei lá, Viamão-RS. Entrar em Maramures é meio assim.
Tínhamos vindo de Hunedoara e nossa cidade base na região seria Viseu de Sus (lê-se algo como “Vicheu”). Eram para ser só 335km, mas levamos 7 horas para percorrer essa distância. Atravessamos praticamente toda a Romênia e no caminho, conhecemos estradas excelentes e o novo anel viário que foi recentemente inaugurado nos arredores de Cluj-Napoca, a maior cidade da Transilvânia.
Mas quando atravessamos a montanha e entramos no tal de Maramures… Não gosto nem de me lembrar! Principalmente porque já tinha anoitecido e tínhamos que tomar muito cuidado para não estragar o carro naquela buraqueira.
Pareço uma pessoal legal, mas assisto Vampire Diaries…
Engraçado é que antes de chegar ao hotel (que havia avisado sobre não ter restaurante), resolvemos comer algo em Viseu de Sus. Entramos numa pizzaria e parecia aqueles filmes de faroeste, quando os forasteiros chegam ao Saloon e TODO MUNDO olha fixamente para nós como que perguntando: “quem são esses estranhos”?
Quando eu pedi coca-zero falando em inglês então…
Mas até que saímos vivos do duelo e conseguimos chegar em segurança na nossa Guest House.
Nosso hotel: Guest House Magnolia
Ainda bem que tinha quem nos abrisse as portas, pois Guest House não é hotel que tenha recepção 24h. Eu até já havia avisado por email que o previsto era chegarmos bem tarde, mas acho que o cara não achou que falávamos sério.
De fato, as únicas reclamações que posso fazer de lá são: 1) a dificuldade para encontrar a guest house e 2) o café da manhã. Sobre o desjejum, como já disse em outros posts, são poucos os lugares da Romênia em que encontramos cafés memoráveis. E quanto à localização, até que eles se esforçam em sinalizar bem o caminho. Quando você faz a reserva, eles te mandam até um mapa e tudo!
Acontece é que o lugar fica na zona rural (toda Maramures é, praticamente, uma grande zona rural para dizer bem a verdade) de Viseu de Sus, que por sua vez, tem só 14.000 habitantes. Para chegar lá tem que pegar a rua que passa atrás de uma fábrica abandonada, atravessar uma pontezinha onde só cabe um carro, pegar uma estrada de terra cheia de pedregulhos…
Mas daí você chega numa fazendinha com um quarto só para você! Fomos muito bem recebidos e bem tratados e o lugar, de fato, é bem bucólico. Combina com o que esperávamos.
Só não imaginávamos que haveria uma rave na “fazenda” vizinha com direito a som bate-estaca!!!
Sério! Mas o quarto tinha um bom isolamento acústico (ou estávamos muito cansados), que dormimos super bem!
Sighetu Marmatiei
No dia seguinte, acordamos cedo e nos mandamos para Sighetu Marmatiei, a “cidade” de verdade que há por ali. E cá entre nós, que cidadezinha feia, né?
Nosso objetivo ali era conhecer um dos museus mais incríveis e tristes do país, o Museu das Vítimas do Comunismo.
O museu foi construído sobre uma cadeia onde os rebeldes que lutavam contra as barbaridades do regime comunista foram presos e torturados. Acredite! É de arrepiar os cabelos dos mais insensíveis.
Monumento às vítimas do comunismo na Romênia
A primeira coisa que chama a atenção são as fotos de milhares de pessoas que estão grudadas nas paredes frias de concreto da antiga prisão. Cada um daqueles rostos retrata alguém que foi morto simplesmente por discordar da política vigente do país.
Algumas celas reconstituem a forma como eram tratados os dissidentes, outras mostram as ideologias de dominação que o regime comunista usava para se manter no governo.
Estudantes de medicina, por exemplo, eram perseguido simplesmente por insistir em estudar anatomia em livros proibidos: aqueles que usavam termos ocidentais. Para vocês terem uma idéia, chegaram a obrigar os futuros médicos a usarem livros russos para aprenderem seus ofícios.
Os absurdos foram muitos, as barbaridades incontáveis. E testemunhar essa tragédia da humanidade serve como lição. Tomara que algo assim nunca mais se repita em nossa história!
Depois de sairmos ainda meio engasgados lá de dentro, resolvemos espairecer e rumamos para o cemitério de Sapantha, na cidade homônima vizinha…
Para informações sobre horário de funcionamento e ingressos, clique aqui. (A entrada custa irrisórios 6 LEI = R$ 3,00!)
Cemitério de Sapanta – a principal atração de Maramures
Não que tenha sido fácil chegar em Sapanta (se diz Sapantza). Nós, confiando no nosso GPS, que por sua vez não sabia nada das dezenas de desvios do trânsito em Sighetu, levamos mais de uma hora para conseguirmos sair daquela cidade tétrica.
Ainda bem que Sapanta fica a meros 18km!
Dirigindo pelas estradinhas, nos sentíamos andando no meio da campo no interior de Minas Gerais… Eram carroças disputando o mesmo espaço com os carros, senhores e senhoras humildes trabalhando na roça e árvores frutíferas carregadinhas nos quintais dos casebres.
E ao entrar no cemitério, a primeira coisa que chama a atenção: todos estavam se divertindo, dando boas risadas…
Explico! Os túmulos são todos adornados com desenhos cômicos e um pequeno resumo da vida do defunto em versinhos “engraçadinhos”. Sentimos muito estarmos sem guia, porque parecia ser tudo muito hilário.
As pessoas chamavam os amigos para verem certas lápides e quando chegávamos lá, não entendíamos o motivo da piada. Que pena.
Pelo menos, conseguimos nos divertir um pouco tentando adivinhar o que estava escrito, baseados em alguns desenhos toscos.
Foi legal.
Abre diariamente das 10-18h e o ingresso para adultos custa 4 lei (R$ 2,00).
Museu Satului
Na volta de Sapanta, resolvemos entrar de novo em Sighetu Marmatiei só para nos perder outra vez para visitar um museu a céu aberto com construções típicas da região de Maramures. Há museus como esse em outros lugares da Romênia, como em Bucareste e Sibiu, mas deixamos para conhecer este.
Definitivamente, foi um dos pontos altos de toda a viagem! Ali, vimos exemplos típicos e característicos das cercas, poços e portais, além da arquitetura de madeira entalhada que decora suas propriedades.
Depois vimos que nos vilarejos de Maramures, várias daquelas coisas faziam parte MESMO da vida das pessoas. Uma tradição que ainda se mantém viva, não só nos museus.
Essa última foto foi tirada numa cidadezinha, não no museu
É por essas e outras que dizem que visitar essa região é tão interessante. Além de não ter se urbanizado, o povo da região ainda preserva hábitos do século passado, inclusive nos trajes do dia-a-dia!
O museu fica aberto para visitação das 9 às 19h entre Junho e Setembro e das 10 às 18h de Outubro a Maio. O ingresso custa 4 lei por adulto (cerca de R$ 2,00).
Igrejinhas de madeira típicas
Depois de Sighetu, meu roteiro apontava para pequenas estradas, na direção do vale do rio Iza, a fim de visitar algumas igrejas típicas da região. Com sua arquitetura única, construídas quase exclusivamente de madeira, achávamos que estas igrejas eram uma raridade, pois são até tombadas como patrimônio da humanidade pela Unesco.
Na verdade, elas estão por toda parte! Apenas as mais grandiosas são tombadas!
Acredite: depois de visitar umas 3, perde a graça… Talvez seja o problema de estarmos sem guia, que poderia contar melhor a história de cada uma.
Todas são ortodoxas, o que significa que não há estátuas, e sim ídolos representando Jesus, os Santos e Nossa Senhora. Em todas elas se paga uma taxa para entrar e às vezes uma outra taxa para fotografia.
O mais bonito sempre são os jardins, na minha opinião. E foi no jardim de uma dessas igrejas que descobri porque as macieiras se sustentavam carregadas de frutas no pé, sem que nenhum moleque colhesse tudo… É que TODAS estão bichadas! (Sim… Eu mordi várias e não consegui achar nenhuma que desse para comer…)
Festa em Botiza
Terminamos o dia em Botiza, onde estava acontecendo um festival folclórico. Em agosto, há várias festas dessas acontecendo pelo país, com apresentação de grupos de dança e música típica.
Barraquinhas vendendo comida feita na hora e alguns brinquedos para as crianças davam um ar já familiar para nós que tínhamos visitado o festival medieval em Fagaras (veja o post).
Ficamos impressionado é com o número de casamentos. Parece que em cada vilarejo que passávamos, estava acontecendo um. De longe víamos os homens com a camisa cor-de-rosa característica e depois as mulheres com os lenços e o colete tradicional. Logo a seguir, víamos os noivos, vestidos do mesmo jeito que se vestem por aqui.
Na festa de Botiza, presenciamos mais um casamento, que finalmente conseguimos capturar nuns cliques meio envergonhados.
Mas o Melhor de Maramures é…
O povo humilde que lá vive… Apesar da ostentação dos entalhes em madeira de seus portões, suas igrejas, seus túmulos, a simplicidade das senhores e dos velhinhos é tocante.
Não é um lugar para curtir baladas, ou cafés, embora haja festas (tinha até rave do lado do nosso hotel, né?) e bons lugares para jantar por lá, o interessante é curtir a beleza única daquela gente que vive ainda como se a internet não existisse.
Tá, as estradas podiam ser melhores e salários mais dignos também lhe cairiam bem. Mas acreditem, em poucos lugares da Europa é possível presenciar a vida como ela era no século XIX de forma autêntica, sem firulas para “turista ver”. E um desses lugares é Maramures!
No dia seguinte, fizemos o passeio de maria-fumaça mais legal de nossas vidas e presenciamos um dos festivais folclóricos mais famosos da região: Hora la Prislop. Você não perdem por esperar os próximos posts!
Enquanto isso, vão navegando no nosso índice sobre a Romênia, clicando no banner acima.
Bem legal e diferente do que estamos acostumados em viagem!!! Mas o melhor foi o comentário sobre The Vampire Diaries!!!!! hahahahahaha
Então não sou só eu quem assisto, né? kkkkkkk
Maramures é muito linda, gostei de saber que existem lugares distantes e tão diferentes de tudo que eu já vimos, me deu vontade de conhecer essa cidade encantadora, estão de parabéns por nos proporcionar informações tão preciosas de lugares jamais inimagináveis. Valeu!!!!
É realmente lindo, Sônia! Obrigado por participar aqui no blog. Vou tentar atualizar o texto para deixar mais claro que Maramures é uma região (tipo um estado, uma província) e não bem uma cidade… Abraços!
Acho que o mais legal de conhecer um lugar assim é a real imersão na cultura local que essa experiência proporciona, né ? Muito legal !
Com certeza… Mas o que eu mais gostei mesmo foi uma região chamada Bucovina. Vem mais posts por aí, aguarde! A cultura dessa região da Romênia é incrível!
Parabéns!!! Esse post conseguiu superar. Está demais!!!
Todas as vezes que recebo um email seu fico extremamente feliz porque sei que vou me enriquecer com seus relatos maravilhos. Como falei esse superou, está simplesmente maravilhoso.
Gostaria de saber quantos dias vocês ficaram na Romenia? E se possível me diga com detalhe quantos dias ficaram em cada lugar e como chegaram … tdas as informações possíveis. Penso em ir à Romenia em setembro e quero me programar muito bem. Conto com a sua ajuda. Obrigada. Abraços
Olá Roseli,
Que legal saber que você está sendo inspirada ao ver os nossos relatos. Acho que deu para perceber o quanto ficamos apaixonados por esse país!
Então… Eu estou tentando terminar os posts sobre a viagem (faltam só 4 agora, pelas minhas contas) e daí fazer um post-resumo com o roteiro que usamos. Mas já posso adiantar que dormimos 10 noites no país. Chegamos por Bucareste, por um voo da Air France (Guarulhos – Paris – Bucareste) e deixamos o país por Cluj-Napoca (num voo Cluj – Dubrovnik com escala em Munique, Lufthansa). Dormimos 2 noites em Bucareste, 2 em Bran, 1 em Sighisoara, 1 em Sibiu, 2 em Viseu de Sus (Maramures), 1 no Dracula Castle Hotel e 1 noite em Cluj-Napoca. Mas aguarde que em breve a gente vai colocar o roteiro completo com todas as informações e dicas para montar o seu próprio roteiro.
http://andarilhosdomundo.com.br/2013/07/roteiros-de-turismo-pela-romenia/
[…] E a região de Maramures, no interior da Romênia, tem a simpática tradição de estampar em ladrilhos desenhos e versinhos engraçados sobre a vida de cada um – formando um visual inusitado e alegre. Esse eu ainda não visitei, descobri no blog Andarilhos do Mundo. […]
Morei na Romênia um ano em 1994. Não conhecida esta cidade, obrigado pela visão privilegiada.
Oi Lu. Maramures é uma região cheia de cidadezinhas quase na fronteira com a Ucrânia. Adoramos conhecer! Abraços.
[…] Explore outras regiões da Romênia (coisa que eu pretendo fazer numa viagem futura). No norte, Maramureş, uma região mais rural, nas montanhas. Bucovina e a Moldavia são famosas por seus […]
Sighetu não é tão feio não! Você deveria ver no natal como é lindo, eu morei la por um ano ahahah
Olhem essas fotos!! https://www.facebook.com/media/set/?set=a.1168834259952207&type=3